Um dia no Caminho
Post Publicado no
Coisas Bobas em Outubro de 2001
Era o dia do aniversário do Keisuke, o japonês de dois metros de altura que caiu de pára-quedas no Caminho de Santiago, sem botas de trekking, sem saco de dormir, sem pesetas, sem saber quem foi Jesus, nem nunca ter ouvido falar no Apóstolo Tiago... Sabe-se lá por que mistérios, estava ele ali, peregrinando...
Falava pouco inglês, entendia menos ainda e seu castellano era muitíssimo temático: cerveza, cerveza con gaseosa, vino, café con leche, orujo de hierbas, colacao... e um simpático “Horá” para todos os que passavam por nós... Todos perguntavam-no se era brasileiro... coisa que até hoje não consegui entender direito! Os episódios tragicômicos repetiam-se dia-a-dia... Uma vez, depois de muito penar, conseguimos desvendar a forma de ligar a cobrar para o Japão...Só que os “pais” disseram não conhecer nenhum Keisuke... Ele, desolado, andava de um lado para o outro:... esqueceram de mim, esqueceram de mim!
Pois bem... Acordamos naquele horrível, sujo, feioso e mal cuidado albergue de Belorado. Havíamos previamente combinado que nós também "esqueceríamos" o aniversário do menino nipônico...
Ele passou pela minha cama e acenou alegremente “Ohayo” (Bom dia em japonês). E eu, efusivamente respondi com um Ohayo!, como sempre fazia... Mas nada de parabéns. Os espanhóis da nossa “cuadrilla” também cumpriram o trato, seguidos da Katia, peregrina brasileira, e do alemão Immo, que compunham a nossa família xacobea...
Tomamos um café frugal no refúgio, para disfarçar... E saímos de lá completamente desmemoriados, é claro... O Keisuke, pobrezinho, andava triste, cabisbaixo e inconformado...
Alguns quilômetros adiante, para acabar com a tortura, entramos num café. Mercedes pôs as velas de 24 anos em cima de um croissant gigante e brilhante e apareceu cantando... O rosto do menino iluminou-se de um jeito que eu não saberia descrever. Cantamos-lhe um parabéns a você bilíngue e desafinado, em espanhol e português... Muitas fotos. Dei-lhe um milka de presente.
Seguimos caminhando... Nosso destino era San Juan de Ortega... Katia e eu ficamos para trás. Ela tinha tendinite e não podia caminhar muito rápido. Lembro-me que era um dia muito, muito frio e que o caminho tava lindo, cheio de flores cor-de-rosa... Chegamos e fomos direto ao restaurante encontrar o grupo. Lareira acesa, tudo muito aconchegante. Para comer, bleargh: morcilla...
Depois do almoço, nova comemoração...Uma torta de sorvete e muitas velas. Mais parabéns, mais cantoria. Os peregrinos da mesa ao lado juntaram-se a nós: um velhinho basco muito maluco e muito bêbado, uma simpática família alemã e um “lord” inglês, ex-diretor da Reuters que havia largado tudo e vinha andando a passos muito rápidos desde a Inglaterra...
Os espanhóis arranjaram umas “faixas” surreais para o Keisuke, com seios até... Continham dizeres como “Soy el Rey del Sexo”,” Soy 100% perfecto” e coisas assim... Todos assinamos nossos nomes em uma vieira e a presenteamos ao nosso amigo nipônico. Até o fim do caminho, ele não desgrudou mais daquela vieira... fui testemunha disso! Arrematamos com orujo.
Detalhe importante: toda a festa acontecia numa linguagem “não-verbal”, eu diria... pois ele não entendia, nem falava espanhol... e os espanhóis não falavam inglês... De vez em quando, eu fazia algum “meio-de-campo”... por isso, fui eleita a “irmã mais velha” do Keisuke, posto esse que me rendeu muita ajuda, carinho e consideração, além de alguma despesa futura... (pois terei de ir a Tokyo brevemente...)
Mas a festa ainda não tinha acabado. Havia um casamento em San Juan! A noiva estava chegando! Não pensamos duas vezes: invadimos a igreja, trajados à moda peregrina... À indumentária do Keisuke somavam-se, ainda, aquelas faixas “pouco próprias” que ele esqueceu de esconder... Lá fomos nós, muito faceiros por causa do orujo (aguardente espanhola), sentar no banco da igreja! Bem, nós os estrangeiros, explique-se direitinho!... pois os espanhóis não fariam um papelão desses no seu próprio país, né?
Casamento consumado, hora de jogar arroz na noiva... Tratei de perguntar a um dos convidados com piercing (eram convidados muiiito moderninhos, com cabelos coloridos, roupas alternativas...) quais eram os nomes dos noivos.
Iolanda e Santiago recebiam os cumprimentos em frente à igreja quando eu me meti na fila... Cheguei ao noivo e exclamei: Santiaaago! E ele deu um pulo para trás, espantado: Como sabes o meu nome?! Foi um riso geral... Peregrinos, convidados, noivos, a enorme turma de adolescentes franceses...
A partir daí, liberou geral. Juntamos todos os peregrinos (estrangeiros) ao redor dos noivos e fizemos centenas de fotos... Flashes disparavam de tudo que era lado. Todos estavam transbordantes de alegria.
Eu só conseguia chorar... Pensava que na improbabilidade de estarmos todos reunidos outra vez... todas aquelas pessoas que estavam ali tão próximas, profundamente irmanadas, mesmo sem conseguirem se comunicar... Eu não queria escrever um relato piegas, mas é inevitável... Naquele momento, todos éramos um só coração, num sentimento verdadeiramente cristão. Eu tinha uma certeza: amava de verdade aquelas pessoas...
Segundo o Keisuke, aquele tinha sido o melhor aniversário de toda a sua vida... Caminhando, no dia seguinte, ele me disse em inglês nipônico: I don’t understand what the priest says, but I feel... I feel!
Giorgia Sena
Sacred Places. Stu Jenks.
Strawberry Fields, Central Park, New York City.
You may contribute a verse
We don't read and write poetry because
it's cute. We read and write poetry
because we are members of the human race.
And the human race is filled with passion.
Medicine, law, business, engineering,
these are all noble pursuits, and necessary
to sustain life. But poetry, beauty,
romance, love, these are what we stay alive
for. To quote from Whitman: "O me, o life
of the questions of these recurring, of the
endless trains of the faithless, of cities
filled with the foolish. What good amid
these, o me, o life? Answer: that you are
here. That life exists, and identity.
That the powerful play goes on, and you
may contribute a verse.
Daqui
Fausto Rêgo
Nós , os nós
Como , desejava , houvesse sido e , confio , ainda logre ser .
(
Adriana Paiva )
. . . . . .
Sonetos
(
Jules Rimet )
Minha mãe cerzia sonetos
na curva das seis da tarde;
no rádio, a ave maria;
no bar, o riso do alcaide.
Cerzia e, além, costurava...
isso quando ainda sonhava.
Só muita graça divina
embalava os arremates,
com pontos tão pequeninos,
com tal acerto e tal arte,
que, mais do que um soneto:
minha mãe urdia verdades.
. . . . . .
Texto publicado no "
Aquém da Imaginação" , em
02/01/2003
No alto , óleo sobre tela de Vermeer -- " Lady writing a letter with her maid " (1670 ) .
. . . . . .
Pressa
(
Eliana Stoducto )
Vamos, baby
se apresse,
pois enquanto
você valsa,
danço reggae...
Vamos acertar o passo...
Vamos, baby !
que a orquestra
está cansada
e arrefece...
Vamos, baby !
ou me canso
e o tédio
me adormece !
. . . . . . . . .
Foto : Joseph Astor
. . . . . . . . .
São Paulo , Domingo, 13 de Julho de 2003 .
Os participantes do
Collectanea dispuseram , até esta data , da prerrogativa de arbitrar sobre o conteúdo de seus 'posts' .
Em vista da linha mantida pelo blog até há poucos dias , é plausível que não se tenha suposto que o mesmo viesse a se tornar foro privilegiado para o gênero de manifestações lidas aqui recentemente .
Convém que se saiba ainda , que a exceção se fez em deferência à reivindicação de
Alberto Lyra , integrante deste grupo , que , dizendo-se premido pela necessidade de
tornar público o fato de que tivera seu blog deletado -- o
Letteri Café -- alegava não dispor de outro espaço na WEB onde "
denunciar" o ocorrido .
Solicito que eventuais questões acerca do assunto sejam dirigidas à parte dita lesada .
Obrigada,
Adriana Paiva
. . . . . .