sexta-feira
 



*autor deconhecido*

Angela Scott Bueno

 
quinta-feira
 
INSTANTÂNEOS



Por entre centenas de quadradinhos espia a tela azul sobre a ponte marítima.
O Sol lambe o mar e deixa um rastro brilhante na superfície.
Um cais, um porto, um enorme navio, pequenas embarcações.
O calor se esvai sugado por um vento que sopra à beira-mar,
revolvendo fios de cabelos, saias e vestidos de amplo tecido.
Alguém aparece e quebra a monotonia local.
Usa blusa com decote, a pele é dourada e a capri estampada.
Uma sandália branca nos pés morenos, as unhas sem esmalte.
Caminha, ginga, malemolência que desafia os apressados.
Todos os olhos voltam-se para ela, mas não percebe as setas em sua direção.
Ternos para quem os precisa, clássico para o que é ditado.
Um francês loiro cumprimenta a moça hippie, despede-se ao sair, elegante.
Ela sorri para o espelho do cubículo, gostaria de estar sempre ali.
Olhou o relógio por entre a pulseira de três luas e o elástico de cabelo,
a hora se faz, é preciso voltar para casa.

publicado no Lemniscata por Analu
 
 






"Rodada summer draft

Amei primeiro Eduardo. Mas ele morreu de acidente. Viajou sem mim pra Guarapari e caiu com o Fusca numa
ribanceira. Esmagou-se inteiro nas ferragens dum São Geraldo modelo velho. Sem a menor categoria. Senti
saudades dele por umas semanas, depois Eduardo se tornou um retrato 3 por 4 dentro duma carteira que
dei pra um bazar de usados.

Amei menos Daniel. E ele morreu de tiro. Foi ser polícia em Sete Lagoas e correu atrás duns marginais. Rodopiou
com o carro pela estrada, saiu correndo pela colina, foi atingido pelas costas. Duas perfurações certeiras no
coração. De brinde, mais uma na cabeça. Fui ao enterro mas não fiz cara de viúva. Me chamaram de fria. Beijei o
cadáver na boca. Me chamaram de sinistra. Quis que o cremassem pra eu ficar com a urna. Me chamaram de
soturna. Enterraram Daniel junto com as tias que morreram de parto. E Daniel virou umas alianças de prata no
meu porta-jóias de craquelê.

Amei outro Eduardo. Este morreu de choque. Tocava guitarra, som alto. Choveu pela janela e ele não viu.
Estorricou-se desde os dedos. Caiu morto de repente. Dizem que chegou a gritar o nome do Hendrix. Fui ver o
corpo carbonizado. Apelei pros orixás. Me chamaram de louca. Pé frio. Dei de ombros. Eduardo tinha sido o primeiro.

Alexandre morreu de cárie. Teve um abcesso. Uma septicemia invadiu-lhe as entranhas. Dizem que havia escapado
de dois tiros no pescoço, mas daquele abcesso não escaparia. Acompanhei tudo de perto, ia ao hospital todos
os dias. Levei flores duas vezes, quando achei que não mais o veria. E estava errada. Me chamaram de azarada.
Dei de ombros. Alexandre deixou a cárie tomar conta. Morreu com os dois incisivos podres e um chifre, como um
unicórnio, mas muito doce.

Bruno foi festejado. Morreu de aneurisma. Estourou a veia bem na hora em que ele ia me dar na cara. Plantei nele
as palmas dos meus olhos, arregalados, apavorados. Nunca havia apanhado de homem antes, a não ser do meu pai.
E antes de a porrada pegar, Bruno caiu duro, teso, lesado. O chão não se abriu. O aneurisma foi detectado no IML.
Fui ao enterro desconfiada. Me chamaram de culpada. Dei de ombros. Chutei os joelhos da irmã caçula dele. E Bruno
foi festejado. Tomei uma vodca pra comemorar o tabefe que não levei.

Daniel me assombrou numa noite. Apareceu diante da minha cama, dizendo que eu ainda lhe devia qualquer coisa.
Ofereci meus cornos, minhas palmas, meu traseiro. Não era nada disso. Depois disse a ele que gostaria de repetir
a dose. Ele veio incisivo, meteu as duas mãos na minha cintura e disse que não voltaria mais se eu me oferecesse
daquela maneira. Me chamou de vulgar. Dei de costas. Fiquei chateada. Achei Daniel machista. Onde será que ele
aprendeu isso?

E mais um Eduardo morreu de acidente. Caí na cama dele sem perceber. Ele deixou o aparelho de dvd cair dentro
do ofurô em que tomava banho de sais. Fiquei vendo a água vermelha escorrer pelo chão do banheiro. Peguei o
avião de volta pra São Paulo. Deixei o cadáver lá. Disseram que havia uma mulher com ele. Nunca chegaram a mim.
Fiquei quieta, pensando que me encontrariam se investigassem minhas impressões digitais na cabeceira da cama,
na porta do banheiro, nas costas de Eduardo. Mas nunca me encontraram. E eu nem cheguei a ir ao enterro.

Gustavo me apareceu veloz. Deu a cantada, caí. Mas disse que estava de passagem. Estapeei o cara e dei o fora.
Não era minha intenção que alguém me amasse. Queria apenas que ele morresse em paz. Morreu num quinto dia
útil do mês, mesmo dia em que costumo receber meu salário. Não tive tempo de ir ao velório porque fiquei presa na
fila do banco. Me chamaram de vingativa. Dei de ombros. Nada a ver. O caso dele era suicídio. Pulou do prédio da
Faculdade de Direito. Ficou interessante o desenho do cadáver, a giz, no chão da avenida. Guardei uma foto
de lembrança.

Fábio apareceu no estacionamento do McDonalds, num carro preto, seminovo. Disse que me queria naquela hora.
E voltou pro Rio de Janeiro sem nada na bagagem. Recusei todas as suas investidas, não cedi a nenhuma cantada,
nem quando ele ficou nu no meio do pátio do presídio. Deixei uns pães de queijo, uma lata de coca-cola com um 38
dentro. Acho que foi com essa arma que deram nele as coronhadas.

Próximo, por favor.

Ana Elisa Ribeiro.


Angela Scott Bueno


 
terça-feira
 
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Por Fausto Rêgo