quinta-feira
 
A dor vinis crescendo..

(Eliane Stoducto)


Não sei o que me atacou... Provavelmente ter ouvido a mp3 do Márcio Proença, meu velho parceiro, achada na web. Feliz o tempo? Ou então nostalgia da mais simples e honesta boemia. Quem sabe o excesso de reclusão que, geralmente, transo numa boa e até me dá prazer, se transformou? Ou então a memória da pele - e do fígado - de um uísque nostálgico?
Não sei... Sabe-se lá o quê... Mas a saudade de antigas boemias bateu... Saudade de uma época em que eu era dona do meu nariz em que podia sair e voltar com o dia alto... Ou não voltar. "uísque, dietil, dienpax..."

Pessoas boêmias e com inequívoca vocação para a solidão, com sentimentos ambíguos, duais, pertencentes ao sexo feminino, não deveriam ter filhos. Ou deveriam?
O Poema enjoadinho do poetinha

"Filhos... Filhos?
Melhor não tê-los!"
Mas se não os temos
Como sabê-los? Como sabê-los?

é muito bom para poetas diplomatas do sexo masculino com grana no bolso e mulheres. Mulheres em profusão. Dedicadas, apaixonadas e maternais para cuidar deles, dos filhos deles, trocar as fraldas e comprar e agendar bananas e legumes para a papinha, enquanto o poeta enxuga umazinha, toma uma caipirinha e come uma feijoada com gostosa farofinha. E sofre, e cogita, e filosofa. E pode dar-se ao luxo da ressaca. E internar-se quando a coisa toda empaca.

Não há poesia numa fralda de cocô palpável e olfatável esperando no tanque. Não há poesia no ensaboar em si, apenas nas palavras e no olho do poeta.
"foi, quem sabe, esse disco, esse risco de sombra em teus cílios, foi ou não, meu poema no chão, ou talvez, nossos filhos"

vinilMas... tirante os filhos que aborrecem, adolescem, nos enlouquecem e controlam, tirando-nos a paz e o prumo e que, provavelmente, depois se vão para o quase nunca mais (quando, meu deus, quando???? que seja já!) sinto uma angústia prosaica.

Uma angústia de não poder ouvir mais meus vinis... tenho muitos vinis mas o raio do meu som só toca CDs. Toca três CDs e nenhum vinil! Vinis de amigos, vinis com dedicatórias, vinis com minhas letras, música de amigos...

Vinis que me transportam no tempo, nas pessoas, nos afetos, nas minhas milhões de facetas interiores, e que jazem nas prateleiras do teto... Daqueles, que nunca vão ter regravações em CDs porque são raros, desconhecidos, de amigos, vinis de colecionador.
Que lástima... Estou velha, arcaica, senil como o vinil dos nossos embalos de sábado e sexta-feira à noite...
O vinil que contava nossas histórias pessoais e passionais, com a faixa arranhada e gasta - quase furada - de tanto ouvir quando se chegava em casa de porre depois de ter perdido o suposto grande amor... Aquele, do qual conhecíamos os arranhões e cicatrizes, se foram... E hoje eu choro a perda dos velhos vinis com suas heranças, histórias e legados febris.



postado por li stoducto