sábado
 

Bonsai - Foto de Augusto Pinheiro

Flor-de-ir-Embora

(Fátima Guedes)


Flor de ir embora
é uma flor que se alimenta
do que a gente chora
Rompe a terra, decidida,
flor do meu desejo
de correr o mundo afora

Flor de sentimento
amadurecendo, aos poucos,
a minha partida
Quando a flor abrir inteira
muda a minha vida
Esperei o tempo certo

E lá vou eu, e lá vou eu
flor de ir embora, eu vou
E agora esse mundo é meu.


postado por Eliane Stoducto
 
quinta-feira
 

Café de Nuit - Van Gogh


Reminiscências da Noite III - Encerrando a trilogia de recordações noturnas e errantes, mais dois breves resquícios do passado distante que me traz a poeira do tempo:


Amálgama de Formas

Eu te encontro, num instante, em meio à turva multidão.
Nossas palavras mudas. Aperto tua mão sem ver-te inteira.
Colo meu rosto ao teu, ofegantes são as respostas.
Meu amor, emudecido no tempo, teu melodioso arfar.
Nunca repetiremos esse momento. Embora eterno.
Aperto de mãos que pairam no espaço de um quarto.
Os segundos arrastam-se disrítmicamente em torpor.
Corpos que completam-se envoltos numa química única.
Um doce balé pontuado por beijos que deixam marcas.
Ao clímax, perdem-se os nortes de todos os sentidos.
Uma única parte formada por dois lados harmônicos.
Corpos suados desobedecem os comandos, largados.
Olhos cerrados que enxergam mais do que vislumbravam.
O largar-se à cama, olhos fixos, beijos que marcam.
O ir-se em um segundo, para todo o sempre, jamais...


Concreto Adeus

Você esqueceu de dizer que meu olhar era retilínio, uniforme, mas unilateral.
O som do Jazz na Zug, ontem, nunca havia sido tão saboroso.
Eu não estava apaixonado. Não tão apaixonado assim.
Lembrei de Notting Hill, não sei o porquê disso.
Mas eu confesso que eu suspirei sim.
Lembrei do teu melodioso olhar.
Que foi sumindo na noite.
Até que pouco restou.
De concreto, seu.
Dentro de mim.
Mas, foi bom.
E Foi sim.
Fui sim.
Fui.


postado por Emerson Damasceno
 
terça-feira
 

Van Gogh, La Nuit Etoilee a St. Remy

Reminiscências da Noite II - Há pouco a ser dito hoje. Assim sendo, relembro que há um ano, já destilava pelo Anomia uma nesga do meu desejo, materializado nos ensaios La Joie de Vivre (em quatro tempos) e Labirintos, os quais parecem se coadunar, apesar de tão díspares em tempo-espaço:


La joie de vivre:

Bobo romântico e réu-confesso que sou, além de um frustrado poetaço, insisto em uma idéia renitente, acerca do que move a humanidade em seus destinos e conquistas. Uma construção capenga que me permiti fazer, dando conta de que a tal "superestrutura" de Marx, antes de moldar a "infraestrutura" social do Estado, tinha como supedâneo a satisfação da libido. Capenga, haja vista que me foge absoluta competência para discorrer sobre sociologia ou mesmo aprofundar-me nos mistérios da obra Freudiana. Mesmo assim, insisto nesse devaneio Freud-Marxista a me satisfazer as dúvidas dos motivos que levam à buscarem a humanidade algum desiderato.
Por isso, vislumbro ímpar magnitude à paixão, aos deslumbres e à insensatez que permeia o amor. Amor é, por si só, pura anomia!
Ontem me lancei em algumas aventuras cinematográficas pelo frame-a-cabo.
Posto isto, apesar da minha hermética atitude de não abir concessão ao Tim Sam no que tange à Sétima Arte, ontem lembrei-me de algumas exceções feitas. Assistindo novamente ao filme "O Náufrago", de Bob Zemicks, o mesmo diretor de "Back to The Future", retive à retina uma cena que julgo de grande lirismo, onde as personagens de Tom Hanks e Helen Hunter se reencontram numa simbiose metafórica de chuva e lágrimas. Uma pintura em celulóide, onde a analogia à Nona de Ludwig é realizada num átimo. A cena é pautada pela mesma força pulsante que ameaça desaguar numa explosão colossal a qualquer momento. No filme, os deuses banham o casal com as águas-de-março que vertem dos céus e da retina despedaçada das personagens tão bem interpretadas. Em que pese o desempenho dos atores, o roteiro responde pela magia das cores e pelo amálgama de sentimentos que irrompem das imagens direito à retina e mente do espectador. Arrasadora, a cena tem seu ápice na explosão que se insurge contra o desejo e norte da libido. A vida tem dessas coisas, enfim. Totem e tabu.
Outra cena de um filme não menos hollywoodiano, no mesmo diapasão que mistura gotas de lágrima, na bela construção que detona os corações bobamente românticos como o meu, com a expressividade torrencial das chuvas, é produto de "Nascido em Quatro de Julho", de Oliver Stone.
Numa cena que julgo de bela feitura, o personagem corre em busca do seu amor-imperfeito, sua última esperança de salvação. Enfrenta não só a natureza cruel que lhe encharca o raciocínio, como também o próprio medo de ser rejeitado. A cena dita não somente reproduz o medo do personagem, mas além disso, retrata o sinal dos nossos tempos, onde nos deparamos amiúde com a luta contra nossa natureza. Quase sempre a mulher que repousa em nossos amores platônicos está a poucos passos, mas a dorida realidade nos ensina que temos que atravessar toda uma tempestade até chegarmos ao destino desejado. O final irrompe de forma emblemática porque o personagem encontra o seu destino, enfim. Sem fim...
O tempo é o senhor da razão. In casu, ele - o tempo - me furta a liberdade de continuar nesse devaneio da sétima arte.

Por fim, cito uma frase de Oscar Wilde em uma de suas famígeras cartas advindas da época de cárcere:" La joie de vivre foi-se e ela, ao lado da força de vontade, é o fundamento da arte."

C'est la vie.

La Joie de vivre II :

Há coisa mais bela do que o olhar torpente da mulher apaixonada? A cumplicidade da paixão, mesmo que por poucos segundos, o destemor do futuro...

A força de um toque, uno olhar.
Não há nada mais ímpar do que o sentir-se uno, indivisível, mesmo que acompanhado.
A arrebatadora força do olhar da pessoa amada que se distanciou, quando do reencontro, numa onda que ressurge como a fênix.
Os mesmos olhos que tanto amaram e espelharam d'alma ao fundo.Do amor infinito enquanto amor.
Daqueles olhos que me viram amando.
Há coisa mais bela? Eu me confesso...

La joie de vivre III:

Buscar-te no doce sabor da lembrança, sozinho, notívago.
Lembrar-te os momentos sinceros em que o mundo restava inerte, mero espectador.
Saber-te a pérfida roda-viva que admoesta os sentidos trôpegos.
Buscar-lhe sempre à solidão rotineira, amalgamando-te o corpo.
Sentir-te toda, partilhando-te a alma corroída dos sentidos.
Buscar-te no doce sabor da lembrança, sozinho, notívago...

La joie de vivre IV:

O teu buscar no escuro, da luz, a esperança, me corrói os sentidos.
Tua face, à luz lunar, dos olhos saltam faíscas.
A chuva insistente que debate-se ao vidro embaciado da noite.
O mar, não tão distante, mas tão distante dos corpos cansados.
Teu rosto no escuro, nada tão inesquecível, perdido nos idos do andar do tempo.
Eu venero-te, ao clarão dos lampejos e da lua, tão esquecida nesses dez anos.
Teu rosto, teu corpo, tua boca...tão perto no distante emaranhado do labirinto da minha mente...

Labirintos

Eu vejo à parede do escritório a Casa Amarela de Van Gogh.
Penso nos labirintos que inundam a nossa mente.
Nos tortuosos caminhos que me impedem o decifrar-te.
Tivesse eu coragem de te confessar o meu desejo.
Do Tímido beijo que nunca roubar-te-ei à noite.
A mesma cor amarela da Casa do Benfica.
São labirintos mundanos que direcionam à mesma arte.
Navego sôfrego nos desencontros da tua beleza.
À parede do escritório eu vejo os teus olhos.
Numa tarde atribulada eu leio os teus medos.
Apaixono-me reticente percebendo-te desnuda.
Mesmo sabendo que nasce morto o amor vesperal.
À insensatez do crepúsculo solar, vou capitulando.
Enquanto adentro na Casa Amarela de Van Gogh.

postado por Emerson Damasceno
 
segunda-feira
 
Sabe o que eu quero? Quero uma mente flexível, ampla e aberta, que não classifique, rotule ou julgue. Não quero ter tantas convicções. Quero mais incertezas. Quem tem uma certeza, tem um caminho; quem tem uma incerteza, tem múltiplos caminhos. Quero mais caminhos. Quero uma gama maior de possibilidades, uma paleta com muitos matizes. Quero duvidar mais de mim mesma e de minhas opinões. Quero descobrir outras cores, outros tons da vida, das coisas, das situações, das pessoas... Quero perceber mais. Quero abertura. Quero uma visão mais panorâmica, menos restrita. Quero clareza e amplidão.

Giorgia Sena , no Coisas Bobas hoje.

. . . . . .

 
domingo
 


Primitivismo feroz, instinto.
Essência de animal selvagem.
Precaução comandando os movimentos, lentos.
O grande felino negro sai da toca.
Predador, esconde-se ao menor sinal de movimento estranho.
O encontro com a lua é sinal de acalanto, proteção.
Como águia em suspensão dos alísios na amplidão.
Se fosse domesticado, não devoraria os que ousassem cruzar seu caminho.
É bicho solto explorando a noite,
Espírito indomável demarcando o território,
largando suas pegadas na escuridão da mata.
Move-se sorrateiramente, à espreita, pronto para o ataque
Diante do menor sinal.
Não o desafie, não provoque a reação, abstenha-se do olho-no-olho.
Evite. Passe ao largo, por mais que isso provoque adrenalina.
Ainda que a possibilidade do desafio vire idéia fixa.
E a própria vida se perca nesse confronto.

por Analu publicado no Lemniscata
 
 

Vincent Van Gogh - La Nuit Etoilee

Reminiscências da Noite - Uma noite só comigo, onde recordo o passado. Uma noite sem vozes, sem música. Sozinho com o pinho cansado e a pena já gasta. Resquícios do dia que já se foi. São poucos os acordes com os quais celebro o adormecer lento. Noite sem ninguém. Só às palavras do Poeta:


"Soneto do Corifeu


São demais os perigos desta vida
Para quem tem paixão, principalmente
Quando uma lua surge de repente
E se deixa no céu, como esquecida.

E se ao luar que atua desvairado
Vem se unir uma música qualquer
Aí então é preciso ter cuidado
Porque deve andar perto uma mulher.

Deve andar perto uma mulher que é feita
De música, luar e sentimento
E que a vida não quer, de tão perfeita.

Uma mulher que é como a própria Lua:
Tão linda que só espalha sofrimento
Tão cheia de pudor que vive nua.
"
Vinicius de Moraes


Uma noite sem paisagens, só vontades. Sem sono, só sonhos. O cheiro da noite completa o ambiente noctívago, repleto de personagens e palavras que desfilam por entre os labirintos do meu imaginário inquieto, as páginas inconscientes de um romance por escrever e a voz emudecida pelo cansaço. Solitário olhar que caminha lento, pautado pela pulsar claudicante em minhas veias. À vista cansada saltam as palavras de um poema escrito num passado distante:


"Soneto do Acordar-te

Em um momento perdido no tempo eu queria te desvendar.
Emaranhar-me ao teu corpo e me permitir o teu abraço.
Numa aposta em que nunca saberemos os vencedores,
Às marcas dos beijos que sonhei uma única vez roubar-te.

Acordar às cordas que nos prendem os corpos em êxtase.
Marcar-te às amarras com um beijo ao único acordar-te.
E hoje, durante um efêmero segundo, eu tive você, minha.
E dos teus lábios de carmim eu suguei o sentido da vida.

Mas ousei apagar meu desejo como deletam-se imagens.
E me foi suficiente por um tênue cavalgar de segundos.
Quando me amarrou ao passado que nunca há de existir.

E Me doeu pensar que nunca te saberei um beijo sequer.
E à vibrante cor dos olhos de cujo espelho não esquecerei,
Eu me vi te amando, apaixonado que fui em um segundo.
"
postado por Emerson Damasceno